O Peso Invisível do Autismo Tardio
Se você é adulto e foi diagnosticado com autismo tardiamente, provavelmente já sentiu o cansaço invisível de ser quem você é. Esse cansaço não é só físico, mas também mental e emocional. Ele é muitas vezes acumulado ao longo de uma vida tentando se encaixar em um mundo que não compreende o seu jeito de ser. Você se cansa de tentar se ajustar, de entender as regras não ditas, de navegar pelas sobrecargas sensoriais, e de lidar com as expectativas do mundo exterior.
Hoje, vamos explorar como lidar com esse cansaço. Não com fórmulas mágicas, mas com estratégias práticas baseadas em ciência, exemplos do dia a dia e, claro, empatia. Vamos conversar sobre como encontrar equilíbrio e, o mais importante, como usar o autismo a seu favor para reduzir o impacto do cansaço.
1. Entendendo o Cansaço: Por Que Ele Acontece?
Para entender como lidar com o cansaço, é importante primeiro entender o que está acontecendo no seu cérebro. A sobrecarga sensorial, a necessidade de camuflar comportamentos para se adaptar a normas sociais, e o esforço contínuo para se comunicar de maneira eficaz são fatores que contribuem para um cansaço que não é visível para quem está ao seu redor.
Estudo científico:
Happe & Frith (2021) mostram que o autismo é frequentemente caracterizado por um "esforço de adaptação" constante, o que leva a um desgaste cognitivo significativo, especialmente para adultos diagnosticados tardiamente. Isso acontece porque o cérebro autista processa informações de maneira diferente e muitas vezes mais intensa do que o cérebro neurotípico.
Exemplo prático:
Você vai a um evento social e sente como se estivesse “ligado” o tempo inteiro. Cada conversa, cada som, cada movimento no ambiente exige um esforço extra para processar tudo de forma eficiente. O cansaço vem porque seu cérebro não desliga esse esforço, e no final do evento, você pode se sentir completamente exausto, mesmo que tenha se divertido. Isso é totalmente normal.
2. Estratégia 1: Respeitar Seus Limites e Priorizar o Autocuidado
Uma das maneiras mais eficazes de lidar com o cansaço de ser autista adulto é reconhecer e respeitar seus próprios limites. Sabemos que a sociedade muitas vezes não reconhece que nossos limites existem, e isso pode nos fazer sentir que estamos falhando. Mas a verdade é que nossos limites são uma parte importante da nossa saúde e bem-estar.
Exemplo prático:
Por exemplo, se você sabe que socializar por mais de uma hora te deixa mentalmente exausto, planeje seus encontros para que não ultrapassem esse tempo. Seja claro com amigos e familiares sobre as suas necessidades, e crie um sistema de “escapes” — como uma pausa estratégica para respirar ou dar um passeio.
Além disso, incorpore práticas de autocuidado. Meditação, yoga ou apenas momentos de silêncio podem ajudar seu cérebro a desacelerar e recarregar. A chave é ter a consciência de que respeitar seus limites não é fraqueza, mas sim uma estratégia para evitar o burnout.
Estudo científico:
3. Estratégia 2: Comunicação Aberta e Aceitação de Suporte
A segunda estratégia é se comunicar abertamente sobre suas necessidades e buscar apoio onde for necessário. Muitas vezes, o cansaço é exacerbado pela sensação de que você está sozinho ou não tem espaço para ser quem você é. A comunicação aberta com colegas de trabalho, amigos e familiares pode aliviar esse fardo.
Exemplo prático:
Se você trabalha em um ambiente altamente dinâmico e sente que precisa de pausas frequentes, seja honesto com seu supervisor ou colegas. Explique, de forma simples, que você precisa de tempo para reprocessar informações ou lidar com a sobrecarga sensorial. Ao fazer isso, você não só se ajuda, mas também ajuda os outros a compreenderem e respeitarem suas necessidades.
Estudo científico:
4. Estratégia 3: Encontrar sua "Zona de Conforto" e Usar Suas Forças
O cansaço que sentimos também está relacionado à pressão de viver em um mundo que não foi feito para nós. A sociedade não foi estruturada para acomodar nossas necessidades sensoriais, emocionais e sociais. Então, por que não criar sua própria "zona de conforto"?
Exemplo prático:
Se você sabe que determinados ambientes ou atividades aumentam seu cansaço, escolha atividades que não o sobrecarreguem. Se for possível, trabalhe de casa ou em um ambiente mais silencioso. Se você é uma pessoa visual, por exemplo, crie um ambiente onde você possa usar sistemas de organização visuais que ajudem a reduzir o estresse.
A ideia é entender onde estão suas forças — talvez em um trabalho criativo ou analítico — e se concentrar em cultivá-las. Quanto mais você foca em seus pontos fortes, menos você se sente exausto tentando se adaptar a um mundo que não entende o seu jeito de ser.
Estudo científico:
Happé et al. (2016) demonstram que, ao focar nas áreas de interesse e habilidade de um adulto autista, é possível não só aumentar o desempenho, mas também reduzir o cansaço mental e emocional.
5. Motivação: Reescrevendo Sua História
Agora, quero que você pense no seguinte: Você não é seu diagnóstico. O diagnóstico de autismo é apenas uma parte de quem você é, e não define toda a sua vida. Ao reescrever sua história, você pode começar a ver o autismo não como um fardo, mas como uma característica que molda suas experiências de maneira única.
Exemplo prático:
Pense nas dificuldades que você enfrentou, mas também nas vitórias. Quem você se tornou ao longo da sua jornada? Como você superou desafios e encontrou soluções criativas? O autismo pode ser desafiador, mas também é uma fonte de força quando você aprende a honrá-lo e a usá-lo ao seu favor.
Estudo científico:
Conclusão: O Cansaço Não Define Você
Lembre-se: o cansaço não define quem você é. Ele é apenas um sinal de que você precisa ajustar sua abordagem, respeitar seus limites e buscar apoio. Não se culpe pelo cansaço. O importante é se permitir cuidar de si mesmo, respeitar suas necessidades e encontrar formas de viver com mais equilíbrio. Você tem o direito de ser autêntico, de descansar, de buscar suporte e de viver uma vida plena. E, acima de tudo, você merece viver com mais leveza.
Referências:
Baron-Cohen, S., et al. (2016). Mindfulness and Autism: A Study of Emotional Regulation.
Happe, F., & Frith, U. (2021). The Understanding of Autism in Adults: Challenges and Advances.
Myles, B. S., et al. (2007). Practical Strategies for Adults with Autism.
Baker, M., et al. (2019). Rewriting Your Autism Story: Self-Advocacy and Acceptance.